PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO E O DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR POLICIAL

Por: BIANCA ARAÚJO DE MORAES

O Estado de Direito possui relação intrinsecamente interligada ao Direito Administrativo, o qual dispõe sobre as diretrizes estatais, bem como setor público em geral. Há atualmente uma crise no modelo de Estado de Direito Brasileiro, onde o célebre princípio da separação dos três poderes (Poder Legislativo, Judiciário e Executivo) gerou problemas operacionais, pois estes são harmônicos e possuem integração em alguns momentos.

O seguimento do Liberalismo pelo Estado gerou várias situações, sendo uma delas a possibilidade de serviços públicos essenciais serem realizados pela iniciativa privada concomitantemente com o Estado.

A omissão do exercício propriamente dito do Poder Legislativo, função legislativa, em algumas matérias de regulamentação, gerou a judicialização de várias atividades relacionadas a serviços não prestados por este motivo.

Outro ponto também é a omissão do Poder Executivo em promover a gestão do erário público a fim de garantir com que os serviços essencialmente prestados pelo Estado sejam considerados como eficazes, sendo, portanto, desnecessária a judicialização em alguns casos.

Dentro dessa questão, por um aspecto prático e concreto, tem-se que a segurança pública é um serviço essencial, sendo exercido pela carreira policial, os quais são considerados pela Constituição Federal como servidores públicos civis.

Ocorre que aos servidores policiais, mesmo que exerçam atividade de risco, deve ser resguardados todos os direitos constitucionalmente assegurados aos servidores públicos em geral. O direito que deverá ser assegurado abordado neste artigo será o direito de greve.

Com isso, será ainda analisado em breves linhas se o Judiciário, mesmo não sendo detentor da função legislativa, poderá decidir por meio de acórdão vinculante sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do direito de greve garantido aos servidores públicos policiais.

Essa análise é importante para que a crise existente atualmente no Estado Democrático de Direito seja repensada, justamente para que problemas operacionais como este, o Judiciário decidindo além de suas atribuição, pois não apenas interpretou a norma mas sim retirou direito de greve explicitamente previsto para determinada categoria, não ofenda direitos e garantias constitucionais dos cidadãos em geral.

  1. O Direito de Greve dos Servidores Públicos

A Constituição Federal em seu artigo 37, incisos VI e VII2 garantiu o direito de greve e à livre associação sindical dos servidores públicos com a previsão de que esses direitos “será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.”

O direito de greve dos servidores públicos ainda não foi regulamentado, com isso a jurisprudência da Suprema Corte3 compreendeu que devem ser aplicadas as mesmas normas previstas na Lei de Greve do servidor do setor privado, no que couber, pois, necessário que existam restrições, tendo em vista a primazia do interesse público sobre o privado.

No tocante a livre associação sindical, as normas aplicadas aos servidores públicos são aquelas previstas no artigo 8º da Constituição Federal,4 tendo em vista serem compatíveis às

2Constituição Federal – Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:(…) 
VI – é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical; 
VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; 
3STF – MI 712, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-03 PP-00384.
4Constituição Federal – Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;
V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;
VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
VII – o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;
VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.
Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer.

questões interligadas ao direito sindical e criação de sindicatos para atuarem judicial e administrativamente em defesa dos servidores.

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal era necessária, pois quando se trata do direito de greve aplicado aos servidores públicos, estes não poderá aplicar o regime celetista automaticamente, justamente porque a Constituição traz como requisito de sua  fruição a existência de norma específica.

Desse modo, conforme dispõe Maria Di Pietro, “como a matéria de servidor público não é privativa da União, entende-se que cada esfera do Governo deverá disciplinar o direito de greve por lei própria.”

José dos Santos Carvalho Filho afirma que:

“O direito de greve constitui, por sua própria natureza, uma exceção dentro do funcionalismo público, e isso porque, para os serviços públicos, administrativos ou não, incide o princípio da continuidade. Desse modo, esse direito não poderá ter a mesma amplitude do idêntico direito outorgado aos empregados da iniciativa privada. Parece-nos, pois, que é a lei ordinária específica que vai fixar o real conteúdo do direito, e, se ainda não tem conteúdo, o direito sequer existe, não podendo ser exercido, como naturalmente se extrai da hipótese.”

Demonstrado isso, nota-se que a discussão gira em torno da necessidade de existir legislação específica, podendo ser ordinária confeccionada pelo Congresso Nacional ou por cada esfera do Governo.

Necessário realizar a conceituação do instituto da greve, pois se trata de ato social que decorre de momentos em que o Estado se omite em relação a sua função obrigacional de garantir direitos. Sérgio Pinto Martins tem o entendimento de que greve “é toda interrupção de trabalho, de caráter temporário, motivada por reivindicações suscetíveis de beneficiar todos ou parte do pessoal e que é apoiada por um grupo suficientemente representativo da opinião obreira”.

Esse conceito também é trazido para a esfera pública, ao passo que os servidores podem realizar o ato de greve em detrimento de posições ideológicas reivindicatórias que sejam necessárias, inclusive porque é um direito garantido constitucionalmente.

5DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. Ed. São Paulo: Atlas, 2012. P. 634
6CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris,, 2011, p. 694.
7MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. Atlas: São Paulo, 2011, p. 28.

A diferença entre a greve no setor privado e no setor público é porque as diretrizes e princípios que norteiam o Direito Administrativo são distintos das seguidas pelo Direito do Trabalho.

Em relação aos trabalhadores do setor privado, o Poder Legislativo editou a Lei nº 7.783/189 que regulamenta o direito de greve, louvando o princípio constitucional da razoabilidade e harmonia entre as normas fundamentais, a fim de garantir o exercício de reivindicação de melhorias no trabalho de determinada categoria com ponderação.

Os artigos 108 e 119 da referida legislação estipulam quais serviços são considerados como essenciais, devendo os sindicatos e toda a categoria garantir a prestação desses atendimentos a toda sociedade.

Com isso, para garantir um mínimo de prestação de serviços essenciais dentro do Estado Democrático de Direito toda greve de trabalhadores no setor privado deve observar a mitigação do direito previsto na legislação, em prol de toda a coletividade.

Por outro lado,conforme já abordado, o servidor público que possui vínculo com a Administração de forma continuada, seja por ser estatutário ou empregado público,10 poderá sim exercer este direito, conforme ditado em norma específica,11 pois o direito de greve é considerado como norma fundamental garantida também aos servidores públicos.

Desse modo, pelo fato da mora do Legislativo em regulamentar o direito de greve a ser exercido e gozado pelos servidores públicos, o Supremo Tribunal Federal, a fim de dar

8Lei 7.783/1989. Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II – assistência médica e hospitalar;
III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV – funerários;
V – transporte coletivo;
VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII – telecomunicações;
VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X – controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária.
9Lei 7.783/1989. Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.
10Constituição Federal – Art. 37. (…) VII – o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica;
11DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. Ed. São Paulo: Atlas, 2012. P. 596.

cumprimento à previsão constitucional que determina norma específica para o servidor poder exercer o direito à greve, no julgamento dos Mandados de Injunções nº 670, 708 e 712, determinou a aplicação da Lei nº 7.783/1989 para o serviço público em geral.

A teoria adotada por unanimidade foi a concretista geral, haja vista a declaração da omissão do Congresso Nacional em cumprir o determinado pela Constituição quanto a regulamentação da greve do servidor público. Até que o Poder Legislativo cumprisse seu dever, preenchendo essa lacuna, o Poder Judiciário, por meio do instrumento processual do Mandado de Injunção, compreendeu razoável a aplicação da legislação de greve do setor privado, no que couber, aos servidores do setor público.

Demonstrado isto, até os dias atuais não houve regulamentação da greve para o serviço público,12 mitigando e tolhendo o direito fundamental e social dos servidores de exercerem por meio de normas próprias o seu direito de greve, existindo vários conflitos quando determinadas categorias realizam greve, pois o servidor tem o regime jurídico completamente distinto dos trabalhadores do setor privado.

Nesse sentido, após o panorama geral do direito de greve aplicado aos servidores públicos no sistema jurídico brasileiro, necessário se faz promover um estudo sobre a atuação do Poder Judiciário em relação à decisão que declarou inconstitucional o direito de greve dos servidores policiais, mesmo estando inseridos na categoria macro de servidores civis.

Anteriormente o Supremo Tribunal Federal compreendeu que a carreira policial estava inserida no âmbito do serviço público civil, entretanto, com o decorrer dos anos proferiu posicionamentos em que comparou a carreira dos policiais civis com a carreira militar, em muitos momentos, afirmando que ambos seriam o braço armado do Estado.

Ocorre que os servidores da carreira policial, seja civil ou federal, são detentores de direitos e deveres constitucionais, bem como possuem estatuto próprio. O regime estatutário dos servidores é completamente distinto e diferenciado do regime militar, não havendo que se comparar tais carreiras, inclusive porque a própria Constituição traz a diferenciação entre elas,

12Celso Antonio Bandeira de Mello como “toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos adminsitrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo” cumprindo o regime de Direito Público, o qual resguarda a supremacia do interesse público sobre o privado. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 27 ed revista e atual até a emenda Constitucional 64, de 4.2.2010. Malheiros Editores: São Paulo, 2010. P.671)

instituindo expressamente a vedação do exercício do direito de greve apenas aos servidores militares, o que demonstra claramente que não há como equiparar tais categorias.

2.1 Da análise do Mandado de Injunção nº 670 do STF

O Sindicato dos Policiais Civis do Espírito Santos propôs o Mandado de Injunção nº 670,13 onde se restou decido que, por maioria, fosse proposta como solução da omissão legislativa a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber.

O Ministro Celso de Mello afirmou no julgamento em seu voto que

“não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem se vem negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional -, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República”.14

Desse modo, mesmo sendo policiais civis, a categoria encontra-se incluída na espécie dos servidores públicos civis que são detentores do direito de greve.

A vedação expressa constitucional aplicava-se, portanto, apenas aos militares, conforme previsão do artigo 142, § 3º, inciso IV da Constituição Federal de 1988,15 os quais detém regime jurídico completamente diferenciado dos servidores públicos em geral.

Durante o julgamento do Mandado de Injunção em questão, o Ministro Gilmar Mendes afirmou também em seu voto:

“nos casos em que se apreciaram as possibilidades e condições para o exercício do direito de greve por servidores públicos civis, esta Corte ficou adstrita tão-somente à declaração da existência da mora legislativa para a

13STF – MI 670, Relator (a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-01 PP-00001 RTJ VOL-00207-01 PP-00011.
14Idem.
15Constituição Federal. Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. (…) § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições (…) IV – ao militar são proibidas a sindicalização e a greve.

edição de norma reguladora específica. (…) A não-regulação do direito de greve acabou por propiciar um quadro de selvageria com sérias conseqüências para o Estado de Direito. Estou a relembrar que Estado de Direito é aquele no qual não existem soberanos.”16

Nessa mesma linha de resguardar o direito de greve, assim como o Ministro Gilmar Mendes, o Ministro Celso de Mello também considerou em seu voto se tratar de um direito constitucional garantido na fonte aos servidores públicos civis, ou seja:

“A greve, como todos sabemos, foi erigida, pela Constituição Federal promulgada em 1988, como direito reconhecido aos servidores públicos civis. O sistema de direito constitucional positivo conferiu, desse modo, legitimidade jurídica à greve no seio da Administração Pública, dela apenas excluindo, por razões de evidente interesse público, os militares das Forças Armadas e os integrantes das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, aos quais se proibiu, terminantemente, o exercício desse direito de ação coletiva (CF, art. 42, § 5º).”17

O Ministro Celso de Mello afirma ainda em seu voto que anteriormente a Corte Superior, guardiã da Constituição Federal, apenas se manifestava sobre a mora do Poder Legislativo, ao passo que nada faziam para modificar a situação jurídica que os servidores se encontravam, privando os servidores do exercício de seu exercício de seu direito de greve.

Dessa forma, restou-se consignado por maioria, no julgamento do Mandado de Injunção nº 610 que seria aplicado no que coubesse, a fim de consagrar o direito constitucional de greve assegurado ao servidor público, a Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989.

O fato da legislação de greve aplicada aos servidores públicos prever a mitigação do exercício deste direito, demonstra que os servidores dos setores de serviços essenciais como saúde e segurança pública também eram detentores do direito de greve, devendo sempre no momento deste ato observar o mínimo necessário da prestação de serviços em prol da garantia do atendimento à coletividade.

Isso ocorre devido a própria previsão constitucional de inviolabilidade do direito à vida, à propriedade e à segurança, devendo ser respeitado mesmo no exercício de outro direito fundamental: o direito de greve.

O acórdão publicado demonstrou que o instrumento do Mandado de Injunção foi

16STF – MI 670, Relator (a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-01 PP-00001 RTJ VOL-00207-01 PP-00011.
17Idem.

criado com a finalidade de preencher lacunas na aplicação de direitos de eficácia contida, ou seja, que dependem de legislação para serem efetivados, ao passo que a aplicação de norma que trata da mesma matéria já existente não alcança tampouco ofende a competência legislativa que se encontra até os dias atuais em mora.

A decisão analisada, portanto, foi um grande avanço no período em que foi proferida, pois garantiu que os servidores públicos civis de carreira policial (polícia civil, polícia federal, polícia rodoviária federal) pudessem exercer o direito de greve, considerando as regras previstas na Lei nº 7.783/1989 até que o Poder Legislativo cumprisse seu dever elaborando legislação específica para os servidores do regime jurídico estatutário.

  1. A Carreira Policial e o Direito de Greve

No Mandado de Injunção 610 apreciado pelo STF, foi assegurado o direito de greve aos servidores, mesmo sendo policiais, justamente porque com a promulgação da Constituição Federal de 1988 estes eram considerados servidores públicos civis. O fato da distinção entre a carreira policial em geral e a carreira militar pelos direitos e deveres atribuídos pela Carta Magna, corroborar com o entendimento firmado no referido Mandado de Injunção, além da confirmação dessa situação se comprovar também com a proibição expressa constitucional do exercício da greve apenas para os militares.

A carreira policial é pilar para a segurança pública, que é serviço essencial e de atribuição exclusiva do Estado, a qual deverá ser efetivada com a finalidade de alcance de toda a coletividade.

O artigo 144 da Constituição Federal atribuiu expressamente como função da carreira policial o exercício da segurança pública com a preservação de ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Essa atividade não poderá ser exercida pela iniciativa privada, justamente por ser a segurança pública um direito inviolável que deve necessariamente alcançado por todos, garantindo, indiscutivelmente, o interesse público nesta situação.

Na contramão da jurisprudência anteriormente firmada no ano de 2007, o Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente que os servidores da carreira policial são proibidos de entrar em greve. Ou seja, o direito de greve dos policiais foi declarado inconstitucional pelo STF.

O Estado de Goiás propôs uma ação declaratória no Tribunal de Justiça do Goiás questionando a legalidade da greve exercida pelos policiais civis da região. O Tribunal de 2ª instância declarou legítimo o ato da greve, com a aplicação dos entendimentos do Supremo Tribunal Federal quando analisaram os Mandados de Injunções nº 610, 708 e 712.

O acórdão proferido pelo TJGO declarando a legalidade da greve dos servidores policiais civis motivou a interposição de recurso extraordinário para a Corte Constitucional, cujo objetivo era questionar a constitucionalidade do exercício de greve aos servidores do setor de segurança pública, justamente, por ser até os dias atuais ausente legislação específica que regulamentasse a matéria, bem como sob a alegação de que a matéria a ser analisada detinha repercussão geral por existir reflexos e impactos sociais e econômicos.

Assim, por meio do Agravo em Recuso Especial 654.432,18 o qual tratava da questão da greve de policiais, foi declarada a repercussão geral do tema, reconhecida em 2012 pelo Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal e alcançou todos os servidores que exerciam atividade de segurança pública no sistema jurídico brasileiro.

Após a afetação do tema como repercussão geral, em 2017, o Supremo Tribunal Federal analisou o recurso em questão o julgando procedente com a seguinte tese a ser aplicada:

“1 – O exercício do direito de greve, sob qualquer forma ou modalidade, é vedado aos policiais civis e a todos os servidores públicos que atuem diretamente na área de segurança pública.

2 – É obrigatória a participação do Poder Público em mediação instaurada pelos órgãos classistas das carreiras de segurança pública, nos termos do art. 165 do CPC, para vocalização dos interesses da categoria”.

O Agravado, Sindicato dos Policiais Civis no Goiás, comprovou no julgamento que os servidores passaram sem recomposição inflacionária da remuneração percebida durante cinco anos, sendo a greve o único direito capaz de assegurar um mínimo de dignidade na

18STF. ARE 654.432. Voto Ministro Alexandre de Morais. Acórdão ainda não publicado. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ARE654432_grevedepoliciais.pdf> Acesso em 06.07.2017.

reivindicação de melhorias laborais.

A indicada recomposição suscitada pelos servidores ao Estado foi autorizada apenas após a greve do ano de 2014, comprovando a necessidade de declaração de constitucionalidade do exercício deste direito aos servidores policiais que são servidores públicos civis.

O direito de greve deve ser resguardado a todos os servidores públicos civis, tendo em vista haver tal previsão expressamente resguardada pela Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal é competente para interpretar da melhor forma possível as normas constitucionais, entretanto, não está autorizado a criar situações que vão em desencontro ou ofendam a determinação expressa e clara da Norma Maior.

Nesse sentido, o relator originário do ARE 654.432, Ministro Edson Fachin, emanou voto no sentido de negar provimento ao recurso, justamente por compreender que a vedação absoluta do direito de greve aos servidores públicos civis policiais obstruiria o gozo de direito fundamental garantido expressamente na Constituição Federal.

O entendimento do referido Ministro é no sentido já abordado quando do julgamento do Mandado de Injunção nº 610 pelos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello, onde afirmaram em seus votos que o direito de greve é existente na fonte constitucional, apenas não sendo exercido àquela época pelos servidores públicos por ser inexistente a regulamentação específica.

O Ministro Edson Fachin19 concluiu em seu voto que o direito de greve não é absoluto, entretanto, não poderia também ser excluído sem que houvesse expressamente previsão normativa ou constitucional. Assim, ponderou que as considerações previstas no Mandado de Injunção 670 deveriam ser observadas no caso em concreto, sendo destacada a essencialidade do serviço de segurança, bem como que seria vedado o porte de arma, uso de uniforme, e utensílios específicos de uso de serviço durante o ato da greve.

A ponderação foi objeto central de seu voto, onde não excluiu direito resguardado constitucionalmente aos servidores civis da carreira policial, determinando, apenas, limites para o exercício a fim de assegurar todos os outros preceitos fundamentais constitucionais

19STF. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=340096> Acesso e 06/07/2017.

quanto ao exercício de greve e de reunião em praças públicas.

O voto do Ministro Relator Edson Fachin foi vencido, sendo acompanhado apenas pelos Ministros Marco Aurélio e Ministra Rosa Weber.

Contrariamente, o Ministro Alexandre de Moraes proferiu voto divergente, o qual foi vencedor. Em seu voto foi declarada inconstitucional a greve do servidor policial, e nesse momento ponderou que mesmo sem fazer analogia com a vedação expressa de greve aos militares, existiam proibições dos policiais exercerem direito de greve por toda a Constituição.

O referido Ministro Alexandre de Moraes desenvolveu a tese que

“a carreira policial é o braço armado do Estado para a segurança pública, assim como as Forças Armadas são para a segurança nacional. É inegável que há um paralelismo importante aqui entre segurança interna e a segurança nacional, inclusive pela inexistência de atividades paralelas na iniciativa privada.”20

Assim, concluiu logo no início de seu voto que a atividade policial é carreira de Estado, não autorizado seu exercício pela iniciativa privada, distinguindo-se dos demais serviços também considerados essenciais, como, por exemplo, a educação e a saúde. Ainda no decorrer de sua exposição no voto proferido, foi realizada uma correlação entre a paralisação da segurança pública com a respectiva paralisação da própria Justiça Criminal e do Ministério Público.

No momento em que o aludido Ministro realiza a comparação dos servidores civis da carreira policial ao “braço armado do Estado”, diretamente faz uma correlação destes com as Forças Armadas e Militares.

No decorrer do voto, o Ministro Alexandre de Moraes questiona:

“Como compatibilizar que o braço armado do Estado mantenha as necessárias disciplina e hierarquia com o Direito de Greve, sem colocar em risco a segurança pública, a ordem e a paz social?

Como compatibilizar a obrigatoriedade de os integrantes das carreiras policiais realizarem intervenções e prisões em situação de flagrância com o exercício do Direito de Greve?

Como compatibilizar a continuidade do exercício integral das funções do Ministério Público e a continuidade da jurisdição criminal com o exercício

20STF. ARE 654.432. Voto Ministro Alexandre de Morais. Acórdão ainda não publicado. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ARE654432_grevedepoliciais.pdf> Acesso em 06.07.2017.

do Direito de Greve pela Polícia Judiciária?

Não é possível. Ninguém é obrigado a ingressar no serviço público, em especial nas carreiras policiais, ninguém é obrigado a exercer o que, particularmente, considero um verdadeiro sacerdócio, que é a carreira policial. Mas aqueles que permanecem sabem que a carreira policial é mais do que uma profissão, é o braço armado do Estado, responsável pela garantia da segurança interna, ordem pública e paz social. Não é possível que o braço armado do Estado queira fazer greve. O Estado não faz greve. O Estado em greve é anárquico. A Constituição não permite.”21

O voto do Ministro Alexandre traz como argumento central para responder as indagações acima transcritas o fato de o policial não andar desarmado, pois possui porte de arma justamente porque precisa exercer o dever de segurança durante 24 horas diárias, o que implica que sua atividade é necessariamente diferenciada dos demais servidores. Contraditou os argumentos do relator originário, pois o direito de greve e reuniões seria considerado impossível, assim, nunca um policial os exerceriam sem estar com porte de arma.

Por fim, utilizou o argumento de que a prevalência do interesse publico, que no caso seria a segurança pública, deve ser resguarda, o que impede a declaração da constitucionalidade da greve aos policiais em geral, por ser um serviço inadiável da comunidade, a partir da interpretação dos artigos 9º, § 1º, 37, inciso VII todos da Constituição. Com isso, alegou que estaria afastando, portanto, a analogia à vedação constitucional da greve aplicada aos militares.

Nesse sentido, o referido voto foi vencedor por maioria, sendo apontado como sugestão pelo Ministro Barroso a inclusão na tese da utilização da mediação como instrumento processual a ser garantido aos policiais quando se depararem com ofensas aos direitos sociais referentes ao labor resguardados pela Constituição.

O julgamento gerou grande repercussão em todo o serviço público brasileiro, pois a tese aprovada pela maioria dos Ministros do STF é um completo retrocesso ao Estado Democrático de Direito.

É certo que a segurança pública é um serviço essencial, não podendo a sua prestação ser colocada em situação de risco no ato de sua efetiva execução, entretanto, a Constituição Federal distinguiu os servidores civis da carreira das Forças Armadas e Militares.

21STF. ARE 654.432. Voto Ministro Alexandre de Morais. Acórdão ainda não publicado. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ARE654432_grevedepoliciais.pdf> Acesso em 06.07.2017.

Os policiais civis, federais, rodoviários federais são considerados como servidores públicos civis, detentores de direitos e deveres previstos na Carta Magna, bem como nas regras estatutárias de regência. Eles possuem o regime diferenciado pela natureza da atividade que exercem, não havendo norma alguma expressamente impedindo o livre exercício do direito de greve. Pelo contrário, conforme previsão constitucional, o direito de greve está assegurado aos policiais assim como a todos os demais servidores públicos civis.

Nota-se que mesmo com mitigações, tendo em vista a greve não ser um direito absoluto, não há como vedar direito expressamente assegurado pela Carta Cidadã, conforme bem colocado pelo Ministro Edson Fachin.

A equiparação dos policiais civis aos militares nos termos do voto aprovado pela maioria dos Ministros da Suprema Corte desencontra as normas constitucionais que garantem inúmeros direitos fundamentais aos servidores civis. Não há vedação alguma expressa imposta aos policiais do serviço público civil.

O constituinte traz a previsão de proibições do exercício de greve, como o fez com os militares que são submetidos a um regime hierarquizado e de disciplina completamente afastado dos demais servidores policiais.

O pró-atividade do STF do julgamento, exercida como argumento de que deve primar pela melhor interpretação das normas constitucionais, neste caso foi em desencontro direto com a previsão da Constituição Federal, pois no intuito de solucionar a controvérsia, a Corte feriu atribuição não conferida ao Judiciário, fazendo uma interpretação sistemática de artigos que não trazem previsões de impedimento dos policiais, servidores públicos civis, em exercerem, mesmo que com as ressalvas devido a natureza da atividade essencial exercida, o direito de greve.

A afirmação de que a carreira policial é braço armado do Estado, bem como que é carreira de Estado, configura o comparativo e a aplicação da isonomia dos servidores civis com as Forças Armadas.

Se o intuito constitucional fosse afastar o direito de greve dos servidores policiais, texto normativo não teria consagrado as carreiras policiais como espécies inseridas no gênero do serviço público civil, detentoras dos direitos e garantias sociais amplamente resguardados no artigo 7º da CF.

Com isso, a decisão preferida pelo STF ofendeu o direito de greve garantido pela Constituição ao servidor público policial.

  1. A atuação do Judiciário no caso da declaração de inconstitucionalidade da greve dos policiais

A interpretação das normas constitucionais é uma competência assegurada ao Supremo Tribunal Federal por determinação da própria Constituição.

Ocorre que no que se trata de interpretação desses normativos o próprio Ministro Gilmar Mendes em sua obra afirmou que quando o constituinte não prevê expressamente proibições de direitos, em regra, não teve o objetivo de conferir as mesmas consequências a serem aplicadas as previsões literais. Isso deve ser observado e levado em consideração pelo intérprete. Conclui que

“A omissão da regulação nesse âmbito, terá sido o resultado do objetivo consciente de excluir o tema da disciplina estatuída. Fala-se, em situações tais, que houve um ‘silêncio eloquente’ do constituinte, que obsta a extensão da norma existente para a situação não regulada explicitamente.”22

Constata-se, portanto, que a interpretação extensiva ou sistemática dos normativos constitucionais aplicada pelos intérpretes do Supremo Tribunal Federal não pode excluir direitos previstos, tampouco inovar a ponto de que esteja claramente demonstrado que o Constituinte não tinha aquele intuito. Isso implicaria em problema operacional referente a tripartição dos poderes, gerando crise institucional no Estado de Democrático de Direito.

O próprio STF já se posicionou nesse sentido, afirmando em julgados que a omissão constitucional não poderá se converter no denominado “silêncio eloquente”, pois este foi deixado intencionalmente pelo constituinte, não sendo autorizado o preenchimento sem a correta análise de todo o texto constitucional em conjunto:

“Recurso em Mandado de Segurança. 2. Matéria eleitoral. 3. Organização do Poder Judiciário. Preenchimento de vaga de juiz substituto da classe dos advogados. 4. Regra geral. Art. 94, CF. Prazo de 10 (dez) anos de exercício da atividade profissional. 5. Tribunal Regional Eleitoral. Art. 120, § 1o, III, CF. Encaminhamento de Lista Tríplice. 6. A Constituição silenciou-se,

22MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Tonet. Curso de Direito Constitucional. 9ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2014. p 88-89.

tão-somente, em relação aos advogados indicados para a Justiça Eleitoral. 7. Nada há, porém, no âmbito dessa justiça, que possa justificar disciplina diferente na espécie. 8. Omissão constitucional que não se converte em “silêncio eloqüente” 9. Recurso a que se nega provimento”

Nesse sentido, não há aspecto algum trazido pelo constituinte no texto normativo que autorizasse o Poder Judiciário a declarar inconstitucional o direito de greve atribuído aos servidores policiais, ou seja, o Judiciário decidiu para além do texto constitucional.

A vedação expressa constitucional do exercício do direito de greve pelos militares, bombeiros e Forças Armadas ocorreu justamente porque estes exercem policiamento intrínseco da manutenção da ordem pública nacional, as quais não são diretamente exercidas pelos policiais servidores públicos civis.

O regime jurídico dessas carreiras são completamente diferenciada do regime jurídico estatutário, sendo submetidos à hierarquia e à disciplinar puramente militar, bem como possuem sistema diferenciado previdenciários e são submetidos à legislação penal especial.

Os fundamentos para que o constituinte incluído como previsão expressa à vedação do direito de greve aos militares são claros, sendo incompatíveis com a ostensividade inerente das funções, bem como auxílio às forças nacionais de segurança da nação.

Distintamente, os demais servidores policiais, por mais que exerçam o papel de segurança pública, são qualificados pela Constituição Federal como servidores público civis que exercem atividade de risco.

Com isso, a não inclusão expressa dessas categorias na vedação do exercício de direito de greve na Constituição deve ser considerado como “silêncio eloquente”, não podendo o Poder Judiciário, sem qualquer previsão no sentido de vedar a greve aos servidores, declarar sua inconstitucionalidade.

Esse é o entendimento exposto pelo doutrinador Humberto Àvila em sua obra Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos:

“Em primeiro lugar, como as regras tem a função de pré-decidir o meio de exercício do poder, elas afastam a incerteza que surgiria não tivesse sido feita

23RMS 24334, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 31/05/2005, DJ 26-08-2005 PP-00066 EMENT 24VOL-02202-02 PP-00245 RTJ VOL-00195-02 PP-00456 LEXSTF v. 27, n. 321, 2005, p. 178- 202
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. Ed. São Paulo: Atlas, 2012.p. 634

a escolha. É justamente para evitar o surgimento de um conflito moral e para afastar a incerteza decorrente da falta de resolução desse mesmo conflito que o Poder Legislativo opta pela edição de uma regra. Nesse sentido, Alexander e Sherwin: ‘A finalidade de se ter a lei promulgando regras para estabelecer questões sobre como os princípios morais se aplicam em casos concretos reside na eliminação da controvérsia e da incerteza, e dos custos morais a elas associados.’

Em segundo lugar, além de afastar a controvérsia e a incerteza, a opção pelas regras tem a finalidade de eliminar ou reduzir a arbitrariedade que pode potencialmente surgir no caso de aplicação direta de valores morais.”25

Assim, o constituinte, por meio do Poder Legislativo, determinou tratamento diferenciado entre policiais em geral e os militares com a finalidade de limitar a atividade interpretativa quando do momento de aplicação da norma.

Com isso, deixou que o legislador infraconstitucional regulamentasse o direito de greve em detrimento a cada especificidade de inúmeras categorias existentes, podendo prever mitigações ou aplicação extensiva desse direito.

O constituinte, detentor da função legislativa, não autorizou em dispositivo algum que a legislação específica ou o intérprete proibisse o exercício do direito a nenhum servidor público civil.

O Poder Judiciário, neste caso, editou norma em abstrato, ultrapassando a função puramente jurisdicional e ingressando na função administrativa, a qual cria de forma primária direitos e deveres.

A vedação por decisão vinculante do movimento paredista ofendeu, portanto, a função legislativa intrinsecamente do Poder Legislativo. Isso é um dos grandes problemas operacionais da separação dos Três Poderes, modelo aplicado no atual Estado de Direito, que implica nas indefinições futuras do significado do Estado e suas respectivas funções.

  1. CONCLUSÃO

25ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2009.

Constata-se da análise da decisão de declaração de inconstitucionalidade do direito de greve dos servidores da carreira policial, proferida pelo Supremo Tribunal Federal no ARE 654.432, com repercussão geral conhecida, que há uma nítida crise entre poderes atualmente.

A Constituição Federal instituiu o direito de greve para todos os servidores, resguardando a sua fruição não apenas pelos trabalhadores do setor privado, como também a todos os servidores públicos civis. Houve a vedação expressa do direito de greve aos militares, justamente pela incompatibilidade dos serviços prestados com o instituto.

Na vedação, o constituinte não incluiu todas as categorias de servidores policiais, deixando como competência do legislador infraconstitucional em determinar as regras a serem aplicadas a cada categoria do serviço público. Isso ocorre porque existem serviços essenciais que não podem ter sua paralisação total, devendo garantir um mínimo de prestação coletiva.

É nítida a crise entre poderes, pois o Poder Judiciário ingressou na competência do legislador infraconstitucional, determinando a vedação, por meio de interpretação dos artigos constitucionais, do direito dos policiais, servidores públicos civis, do direito de greve.

O Estado Social garante o acesso aos direitos fundamentais nos moldes constitucionais, a interpretação com o intuito de criar ou extinguir direito não deve ser considerada como função própria a ser exercida pelo Poder Judiciário.

Mesmo o Poder Legislativo, neste caso, não poderia excluir o direito dos servidores policiais garantido pela Carta Magna, estando autorizado apenas a regulamentar, conforme a atividade essencial exercida de segurança pública, as normas de execução do direito de greve.

Pelo exposto, demonstra-se que a crise institucional entre poderes está gerando reflexos negativos práticos, pois o Poder Judiciário, muitas vezes mediante uma atuação pró-ativa, com a intenção de propor soluções aos casos em concreto, como é o caso da vedação do direito de greve aos policiais, acaba aplicando a função legislativa, a qual é a criação e extinção do direito por norma em abstrato, surtindo efeitos negativos e retrocessos jurídicos e sociais.

  1. REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10ª Ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2009.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 27 ed revista e atual até a emenda Constitucional 64, de 4.2.2010. Malheiros Editores: São Paulo, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em 06/07/2017.

_____________. Lei de greve do setor privado (Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7783.htm> Acesso em 06/07/2017.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 670, Relator (a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008.

_____________. MI 708, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008.

_____________. MI 712, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008.

_____________. RMS 24334, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 31/05/2005, DJ 26-08-2005.

_____________. STF. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=340096> Acesso e 06/07/2017.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27. Ed. São Paulo: Atlas, 2012.

MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Tonet. Curso de Direito Constitucional. p 88-89 9ª Ed. São Paulo. Saraiva, 2014.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. Atlas: São Paulo, 2011.

Paste:

Compartilhe

OUTROS ARTIGOS - CLIQUE AQUI