O QUE DE FATO TRANSITA EM JULGADO?

Por EVELIN LISBOA

Durante um processo judicial que infelizmente muitas vezes é longo, várias são as fases e decisões proferidas no curso processual, contudo, no contexto das “decisões” a mais importante delas é a sentença, ainda que seu resultado seja de improcedência e exista reforma integral na esfera recursal. Será a partir do texto sentencial que as outras fases decisórias se desenrolarão e que os possíveis recursos construirão suas teses argumentativas.

 Ao fim e ao cabo, os resultados dos recursos sempre serão para manter a sentença de primeiro grau ou para reforma-la, parcial ou integralmente. Mas, e se esgotada a discussão jurídico processual de mérito e iniciada a fase de execução a parte se deparar diante de um erro material no dispositivo da sentença que não foi enfrentado ou sequer suscitado em sede recursal, o que valerá? O dispositivo apenas ou todo o corpo da sentença?

Conforme determina o artigo 504 do CPC/15, não fazem coisa julgada “I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.”. 

Muito embora haja clareza no texto da lei, alguns magistrados fazem interpretação diversa e limitadora do texto legal. Explico: Muito comumente nos deparamos com textos sentenciais que no decorrer do texto analisam e deferem/indeferem pedidos dividindo a sentença por tópicos/temas. Após, faz-se um resumo dos mesmos, repetindo-os no que chamamos de parte dispositiva da sentença. Exemplo ilustrativo (grifo nosso):

 “[…]  É o relatório. DECIDO. […]

Delineados estes contornos, constata-se o inadimplemento contratual imputável à ré, pois assumiu a obrigação de entregar imóvel, cujo atraso onerou sobremaneira os compradores, importando no dever de indenizar, conforme dispõe artigo 389 do Código Civil.
Destarte, assiste razão aos autores, por se encontrar configurada a inadimplência da ré por não cumprir o compromisso avençado, devendo responder pelo prejuízo imposto, em razão de sua responsabilidade, previamente estipulada em contrato firmando entre as partes.

Desta forma merece prosperar o pedido de ressarcimento por lucros cessantes, por estar demonstrado o atraso na entrega da unidade habitacional. A esse respeito, nosso Tribunal assim se manifestou: “CIVIL.  […]

Por outro lado, o pedido de ressarcimento a título de danos emergentes não merece ser acolhido, pois as indenizações não podem ser concomitantes. Uma exclui a outra, sob pena de incorrer-se em bis in idem. […]

Sendo assim, merece guarida o pleito autoral no sentido de arbitrar-se a multa moratória na quantia de 1% sobre o valor do imóvel, por mês, desde a data prevista para a entrega do imóvel, incluindo-se o prazo dilatório de 180 dias, até a entrega efetiva do imóvel.

O pedido de congelamento do saldo devedor deve ser parcialmente acolhido, não na data prevista para a entrega do imóvel (agosto/2010), como pretendem os autores, mas nos termos da Cláusula Segunda do Termo de Ajustamento de Conduta celebrado entre o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e a ré (fl. 262). […]

Por fim, alegam os autores que adquiriram a unidade habitacional com duas vagas na garagem “cobertas e livres”, mas ao vistoriarem a obra foram informados que apenas uma vaga na garagem é coberta e livre, sendo a outra coberta e presa. Pretendem, assim, a condenação da ré na obrigação de entregar-lhes duas vagas na garagem “cobertas e livres” ou, alternativamente, ao pagamento do valor da garagem.
Assiste-lhes razão também neste particular.
Pela leitura do instrumento contratual de fls. 26/55 […]

Diante disso, mostra-se razoável a fixação da indenização pelos danos materiais em 50% do valor da garagem atribuído pelos autores, ou seja, R$ 15.000,00 (quinze mil reais).
Mais à frente, o autor pugna por indenização por suposta ofensa de índole moral, a qual não merece acolhimento. […]

Por tais fundamentos, não mais me delongando sobre o tema, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para condenar a ré a pagar aos autores, a título de lucros cessantes, a importância correspondente ao valor do aluguel mensal do imóvel, correspondente a 0,8% do valor do imóvel, contado do vencimento do prazo de tolerância (março de 2011) até a data da entrega das chaves, acrescido de correção monetária e juros legais a contar da data correspondente ao mês a ser indenizado até a efetiva entrega do imóvel, e, também, multa moratória, na importância equivalente a 1% do preço do imóvel, por mês, também contado do vencimento do prazo de tolerância (março de 2011) até a data da entrega das chaves, acrescida de correção monetária e juros legais, contados a partir da data correspondente ao mês a ser indenizado, até a efetiva entrega das chaves do imóvel. Determino, ainda, o congelamento do saldo devedor com correção com base no INCC até 60 (sessenta) dias após a averbação do Habite-se junto ao Cartório de Registro Imobiliário, fl. 262.

Resolvo o mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Em razão da sucumbência, em maior parte da ré, condeno-a ao pagamento das custas do processo e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil. Transitada em julgado ou não havendo recurso a que se atribua efeito suspensivo, fica desde logo intimada a ré para que, no prazo de 15 (quinze) dias, proceda ao cumprimento voluntário da obrigação, sob pena de incidir em multa de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado do débito, bem como do início dos atos expropriatórios […] Juiz de Direito.” 

Vê-se no exemplo citado acima, que durante todo o corpo sentencial o juiz deferiu e indeferiu pedidos, mas com relação a um deles – indenização pela vaga de garagem – embora o tenha deferido no corpo sentencial, deixou de constá-lo na parte dispositiva do decisório.

Iniciada a fase executiva, que nem sempre é julgada pelo mesmo juiz que proferiu a sentença (nossa realidade jurídica atual conta sempre com a presença de juízes substitutos, promoções e etc.), ainda neste mesmo exemplo, foi proferida decisão interlocutória em sede de execução pelo indeferimento da execução no tocante a condenação pela vaga de garagem, pois segundo entendimento do juízo executório a parte textual da sentença que tratou da “vaga de garagem” seriam possíveis “motivos” ou “verdade dos fatos”  nos termos do art. 508 do CPC/15, transitando em julgado apenas o disposto da sentença.  

No entanto, respeitadas as opiniões diversas, uma sentença deve ser analisada por todo o seu corpo sentencial, transitando em julgado todo o seu conteúdo e NÃO apenas a parte dispositiva, que é uma repetição fria e mecânica de toda a decisão.  Obviamente, caberá sempre ao magistrado condutor da execução ao analisar todo o conteúdo decisório, se de fato a intenção do juízo de piso era deferir ou indeferir pedidos quando os tratou apenas no corpo da sentença, ainda que por possível erro material, como no exemplo citado acima, ou se de fato apenas debruçou-se sobre motivos e verdades fáticas, nos termos do mencionado artigo processual.

Havendo clareza que a intenção do julgador era deferir ou indeferir um pedido, ainda que não seja manejado o remédio processual cabível – Embargos de Declaração – não se pode ignorar a decisão de mérito apenas porque ela não foi repetida no dispositivo da sentença.

Inclusive, esse é o entendimento recentíssimo do c. STJ que no julgamento do RESP 1653151/SP consignou que “[…] para interpretar uma sentença, não basta a leitura de seu dispositivo. O dispositivo deve ser interpretado de forma integrada com a fundamentação, que lhe dá o sentido e o alcance. Sentença condenatória que expressamente reconhece a responsabilidade solidária entre a endossante/mandante e o endossatário/mandatário. Condenação solidária reconhecida. […]”[1].

O que transitada em julgado é TODA a sentença e não apenas a sua parte dispositiva, cabendo ao magistrado a análise do caso concreto a fim de garantir uma efetiva prestação jurisdicional, principalmente porque uma das diretrizes do novo CPC/15 é a primazia da análise de mérito.

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