O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO NO CPC/2015

Por: BIANCA ARAÚJO

O Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu expressamente como pilar o princípio da primazia da análise do mérito, prevendo em seu artigo 4º “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.”1

Além do artigo 4º do CPC, necessário indicar o artigo 6º, o qual prevê de forma expressa o princípio da primazia da análise do mérito: “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.” 2(grifo nosso)

A primazia da análise de mérito foi trazida pelo novo Código de Processo Civil como uma das diretrizes para a aplicação do direito nos Tribunais em geral. Esse princípio do direito processual é decorrente do corolário constitucional da duração razoável do processo, bem como do acesso à justiça, respectivamente, previstos nos artigos 5º, inciso LXXVIII3 e inciso XXXV4 ambos da Constituição Federal, os quais englobam como direito fundamental do litigante obter a satisfação de seu direito postulado em juízo com prazo razoável de duração.

A duração razoável do processo foi positivada na Constituição Federal, e é considerado como um princípio que garante a própria dignidade do ser humano, justamente por ter previsão em várias convenções internacionais, trazendo “a ideia de proteção judicial efetiva.”5

Nesse sentido, Alexandre Freitas Câmara trás explicações em seu estudo que o direito de acesso à justiça assegura também o acesso jurisdicional ao resultado útil do processo, assim “para dar efetividade a este direito fundamental, o Código de Processo Civil de 2015

1BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em 02.07.2017.
2BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em 02.07.2017.
3Constituição Federal – Artigo 5º (…) LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
4Constituição Federal – Artigo 5º (…) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
5MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. Pag. 444.

fez constar no rol (não exaustivo) de normas fundamentais do processo civil o princípio da primazia da resolução do mérito.”6

Essa prevalência da análise do mérito renova as diretrizes do princípio da instrumentalidade das formas, fazendo com que o processo do conhecimento se finde com a decisão quanto ao direito dos litigantes por meio de coisa julgada material.

Ocorre que em determinadas situações são proferidas sentenças terminativas declarando vícios formais, o que impede a análise efetiva do mérito da demanda, existindo, portanto, previsões normativas processuais que autorizam a extinção sem resolução de mérito quando são constatados vícios insanáveis.7

Desse modo, o Código de Processo Civil de 2015 em vários de seus comandos normativos trouxe instrumentos e critérios objetivos para garantir a prevalência da análise de mérito nos julgamentos das demandas em geral, processo de conhecimento ou fase recursal perante os Tribunais.

Isso garante o acesso à justiça de forma efetiva, não obstruindo a análise dos pedidos constantes nos processos por meros vícios de formalidade, os quais podem vir a ser sanados posteriormente à propositura da demanda, ou do próprio recurso por ambas as partes.

Com isso, as questões de vícios meramente formais, desde que não sejam insanáveis, ou que não prejudiquem a formação da lide processual, devem ser ultrapassadas e saneadas pelos Julgadores, a fim de que seja garantida a análise do mérito de forma satisfativa, correspondendo, portanto, a um modelo de constitucionalização do processo, cujo objetivo é garantir aos litigantes instrumentos para a solução efetiva e real do litígio levado ao Judiciário.

6CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da primazia da resolução do mérito e o Novo Código de Processo Civil. Disponível em <http://genjuridico.com.br/2015/10/07/o-principio-da-primazia-da-resolucao-do-merito-e-o-novo-codigo-de-processo-civil>. Acesso em 02.07.2017.
7NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Volume único. 8. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016. p. 323/324.

e administrativas competentes; d) a fixação legal de prazos”8 para realização de atos processuais com a garantia do contraditório e a ampla defesa de forma paritária. Esses critérios garantem ainda que a análise satisfatória do mérito seja atingida em tempo razoável, garantindo o acesso a justiça aos cidadãos. Assim, a razoabilidade deve sempre ser observada e ponderada, a fim de que as partes tenham a análise de seu direito em tempo hábil e de forma eficiente.

Desse modo, o Novo Código de Processo Civil consagrou expressamente e de forma marcante a primazia da análise de mérito, a fim de resguardar o acesso à justiça, bem como a efetividade nos julgamentos pelos Tribunais de forma satisfativa quanto aos direitos dos jurisdicionados.

O Código de Processo Civil, também instituiu normas que materializam a efetividade desse princípio no processo, garantindo com que os jurisdicionados tenham a análise de seu direito materializado.

Há a previsão no código de processo civil de 2015 também de forma expressa do princípio da boa-fé e da lealdade processual, constante no artigo 5º do CPC,9 o qual instituiu o dever dos litigantes em não abusarem do direito, tampouco dos instrumentos processuais.

Com o intuito de garantir a razoável duração processual, o legislador fez a previsão normativa de sanções para os litigantes que realizem atos que caracterizem abuso de direito processual, como por exemplo, o instituto da litigância de má-fé, o qual já era existente no código anterior.

Ademais, o novo código prestigiou ainda o princípio da cooperação entre as partes, constante no artigo 6º do CPC,10 o qual as partes devem cooperar entre si para que o litígio alcance uma solução efetiva em tempo razoável.

Nesse sentido, o NCPC tem como aspecto positivo da consagração da análise de mérito para ambas as partes da lide, e como um aspecto negativo, encontra-se na lacuna legal no Código de Processo Civil quanto às sanções a serem aplicadas se houver

8NERY JUNIOR, Nelson, MARIA DE ANDRADE NERY, Rosa. Comentários ao Código de Processo CIVIL,São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p.201.
9Código de Processo Civil – Art. 5o Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
10Código de Processo Civil – Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

descumprimento deste princípio do âmbito do processo executório e de cumprimento de sentença.11

Essas ponderações demonstram que o princípio da primazia do mérito, da cooperação, da boa-fé e lealdade processual formam a instrumentalização no âmbito do processo civil dos princípios constitucionais do acesso à justiça e da duração razoável do processo, garantindo com que todos os cidadãos tenham seus direitos analisados pelo Juiz Natural de forma efetiva e concreta.

O Superior Tribunal de Justiça, em 2008, já proferiu julgado argumentando que a extinção do processo por questões formais e procedimentais deve ser a exceção, onde se faz necessário transcrever trecho do acórdão de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, componente da Terceira Turma da Corte nesse sentido:

“O Processo Civil foi criado para possibilitar que se profiram decisões de mérito, não para ser, ele mesmo, objeto das decisões que proporciona. A extinção de processos por meros óbices processuais deve ser sempre medida de exceção.”12

Entretanto, em contrapartida ao precedente acima mencionado, constata-se que, de forma majoritária, os Tribunais adotaram ao longo dos anos a prática de proferirem decisões que obstam a análise de mérito ao final da demanda, tanto em na fase de conhecimento, quanto na fase recursal, o que gerou a denominada jurisprudência defensiva.

Com isso, as alterações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil tiveram como objetivo modernizar o processo civil no sistema jurídico brasileiro, com a finalidade de adaptá-lo as necessidades de análise dos direitos materiais.

Essas modificações pragmáticas tem o objetivo de afastar, entre várias outras situações, principalmente, a jurisprudência defensiva dos Tribunais Superiores quando se trata da análise de recursos interpostos das decisões de instâncias de 2º grau.

11NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Volume único. 8. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2016. p. 308.
12REsp 802.497/MG, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 24/11/2008.

Nesse sentido, José Manuel de Arruda Alvim compreende que “observa-se uma dedicação especial à chamada jurisprudência defensiva nos Tribunais Superiores, traduzida pelo extremo rigor na admissibilidade dos recursos.” Afirma ainda que:

“O assoberbamento destes tribunais tem como contraponto a imposição de requisitos rigorosos à análise de recursos constitucionais, tais como a necessária ratificação dos recursos interpostos antes dos Embargos de Declaração, o formalismo no preenchimento de guias de preparo recursal e a impossibilidade de se corrigirem vícios sanáveis.”

Com isso, devido ao alto índice de interposição de recursos dos acórdãos dos tribunais de 2ª instância, criou-se uma jurisprudência defensiva das instâncias superiores, STJ e STF, cujo objetivo é obstar, por meio de cumprimento de diversas formalidades quanto a admissibilidade recursal, o excessivo número de interposição de recursos. Constata-se, portanto, que o formalismo excessivo é presente no juízo de admissibilidade dos Tribunais Superiores, prejudicando a análise meritórias dos recursos, pois mesmo contendo vícios sanáveis e superáveis, e previsão da primazia da análise de mérito no NCPC, há negativa de prestação jurisdicional em diversos casos em concreto.

Desse modo, a primazia da análise de mérito é um princípio norteador e inovador trazido pelo Novo CPC, o qual deve ser utilizado com o intuito de garantir a efetiva análise jurisdicional dos casos em concretos, não obstando por questões meramente formais e resguardo de direitos.

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